A caótica prisão de Lula hipnotiza o Brasil
Após 50hs de expectativa, ex-presidente começa a cumprir
pena em meio a tensão entre manifestantes
Um dia dramático, caótico e histórico. Todos os adjetivos
cabem para falar da saga do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva neste
sábado, 7, que começou logo cedo com uma ato religioso no Sindicato dos
Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, e terminou numa cela de 15
metros quadrados na superintendência da Polícia Federal em Curitiba. O Brasil
assistiu ao longo do sábado, em tempo real, ao ex-presidente mais popular da
democracia recente chegar à prisão. Popular, claramente, para o bem e para o
mal. Lula saiu literalmente carregado nos braços do povo em São Bernardo, e
amargou uma recepção hostil com incontáveis fogos de artifício quando o bimotor
que o levou de São Paulo à capital paranaense pousou no aeroporto Afonso Pena.
Para finalizar, na chegada à sede da PF o petista pôde ver, da janela do
helicóptero que o conduzia a seu destino final, sua militância ser massacrada
por bombas de gás disparadas pela polícia. Um capítulo melancólico de um
personagem que ganhou projeção mundial.
Foi uma jornada de sobressaltos, com uma militância arisca e
indignada, que chegou a cercar o portão do sindicato para evitar a saída do
ex-presidente e derrubar as grades num movimento furioso impedindo a saída de
Lula. As lideranças petistas precisaram intervir avisando que o tempo acordado
com a PF estava se esgotando. "A PF deu meia hora para nós resolvermos. Ou
Lula será responsabilizado", alertou a senadora Gleisi Hoffmann de cima do
caminhão de som. Chegou-se a cogitar que a parede humana que impedia a saída de
Lula fazia parte da estratégia do ex-presidente para evitar ser preso. Hoffmann
explicava à militância que se Lula não saísse ele poderia receber uma ordem de
prisão preventiva e ser prejudicado em sua batalha jurídica para tentar
reverter a prisão.
Diante de uma multidão enfurecida, e correndo contra o
relógio para se entregar, Lula protagonizou uma cena antológica: deixou o
prédio emblemático para sua carreira política a pé por volta das 18h40, para
chegar a um carro da Polícia Federal. Abriu caminho entre a militância que,
momentos antes, tinha impedido seu carro de deixar o local. Em meio ao tumulto, o petista se entregou
para cumprir, embora com atraso de 26 horas, a ordem de prisão decretada pelo
juiz federal Sérgio Moro, por crimes de corrupção e lavagem de dinheiro no caso
do tríplex do Guarujá.
O ex-presidente seguiu assim, sob custódia policial, em um
carro que o levaria à sede da PF para fazer exames de praxe, antes que ele
fosse encaminhado a Curitiba. As TVs cobriam o trajeto com imagens aéreas, numa
transmissão ao vivo, vista por milhões de brasileiros. Metade deles celebrava,
a outra, se entristecia. Ninguém indiferente. A saga que durou quase 50 horas —
Lula chegou ao sindicato na quinta-feira por volta das 20h após a
inesperadamente rápida determinação de Moro — teve espaço ainda para um
discurso derradeiro, no qual Lula admitia sua ‘morte política’, ao menos por
enquanto.
Após uma longa expectativa desde que chegara ao sindicato na
noite de quinta-feira, ele falou ao público presente, depois da missa celebrada
no próprio sindicato em homenagem a sua mulher, Marisa Letícia, que completaria
68 anos neste sábado. Com o mesmo estilo que marcou sua trajetória de mais de
40 anos de vida pública, Lula permitiu-se um último ato catártico, em que
desafiou os que ele considera seus algozes: o Judiciário, a mídia e aqueles que
não queriam que ele fosse candidato a presidente.
Inflamado e com a voz rouca, fez do procurador Deltan
Dallagnol um de seus principais alvos. “Eu não posso admitir um procurador que
fez um powerpoint e foi pra televisão dizer que o PT é uma organização
criminosa que nasceu para roubar o Brasil e que o Lula, por ser a figura mais
importante desse partido, o Lula é o chefe, e portanto, se o Lula é o chefe,
diz o procurador, ‘eu não preciso de provas, eu tenho convicção”, disse ele,
ironizando uma frase que na verdade Dallagnol nunca verbalizou. “Eu quero que
ele guarde a convicção deles para os comparsas deles, para os asseclas deles e
não para mim”, discursou ele.
Em outro momento, criticou a imprensa pelo excesso de
ataques que recebe. “Tenho mais de 70 horas de Jornal Nacional me triturando.
Eu tenho mais de 70 capas de revista me atacando. Eu tenho mais de milhares de
páginas de jornais e matérias me atacando. Eu tenho mais a Record me atacando.
Eu tenho mais a Bandeirantes me atacando, eu tenho a rádio do interior me
atacando. E o que eles não se dão conta é que quanto mais eles me atacam mais
cresce a minha relação com o povo brasileiro”, ironizou.
Foram 55 minutos de discurso para o público presente, que
ouvia entusiasmado e gritou em coro “Lula, guerreiro do povo brasileiro”. A
descarga de adrenalina, no entanto, acabou contagiando militantes que
protagonizaram cenas de hostilização de jornalistas que faziam a cobertura do
último dia de liberdade de Lula, tanto no sindicato de São Bernardo, como no
aeroporto de Congonhas e em frente à sede da Polícia Federal de Curitiba.
Entidades como a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) se
manifestaram sobre os relatos de agressão aos profissionais de comunicação.
“Conclamamos políticos e líderes de movimentos a colaborar para garantir a
integridade física de quem participa da cobertura dos atos de hoje”, divulgou a
Abraji.
“Não quero ser foragido”
Até o discurso de Lula, havia dúvidas se ele de fato se
entregaria à Polícia ou se estenderia a corda, inclusive sob o risco de receber
a ordem de prisão preventiva, o que lhe tiraria o direito de pedir um novo
habeas corpus para sair da prisão. A dúvida foi dissipada durante seu discurso,
quando ele admitiu que atenderia o mandado de prisão. “Se dependesse da minha
vontade eu não ia, mas eu vou porque eles vão dizer a partir de amanhã que o
Lula está foragido, que o Lula tá escondido, e não! Eu não estou escondido, eu
vou lá na barba deles pra eles saberem que eu não tenho medo, que eu não vou
correr, e para eles saberem que eu vou provar minha inocência”, disse ele para
alívio do Brasil.
O tom de desafio do ato em São Bernardo, porém, viria a se
dissipar assim que ele entrou no carro da Polícia Federal que o esperava perto
do sindicato. De lá, ele se viu perseguido pelas mesma imprensa que atacara
quando passou no prédio da PF em São Paulo para exame de corpo delito, até
chegar ao aeroporto de Congonhas. Lula saiu de bimotor para Curitiba, onde
chegou por volta das 22h20. O ex-presidente foi transportado de helicóptero para
a superintendência da PF, onde vai cumprir a pena de 12 anos e um mês por ter
recebido um apartamento triplex no valor de 2,4 milhões de reais da empreiteira
OAS por favorecê-la em contratos da Petrobras, segundo a Justiça. Lula sempre
rebateu que o apartamento não era dele, uma vez que não estava em seu nome. Mas
ele nunca convenceu o Judiciário.
Chuva de bombas
A chegada à República de Curitiba, apelido ironicamente dado
por Lula, foi como ele deveria esperar: hostil. Nos arredores do aeroporto
Afonso Pena, e em vários bairros da cidade, fogos de artifício comemoravam a
chegada do maior troféu de Sérgio Moro, ou, nas palavras de Lula “o sonho de
consumo” do juiz. De lá ele embarcou em um helicóptero rumo à sede da PF onde
iria começar a cumprir pena. As imagens de TV mostravam Curitiba com um caos no
trânsito devido a protestos na chegada da persona non grata para a capital que
se orgulha de liderar a Lava Jato.
Ainda assim, uma manifestação de apoiadores do ex-presidente
aguardava, desde as 14h, sua chegada em volta do prédio da PF. Os vermelhos
estavam separados por dois cordões policiais e cerca de 100 metros dos
verde-amarelos, estes em número bem reduzido. Apesar do momento dramático para
a maior liderança do PT, a militância tentava se manter animada ao longo do
dia, cantando músicas de Geraldo Vandré e velhos sambas de Clara Nunes. Dezenas
de estudantes secundaristas participaram do ato - muitos deles veteranos da
onda de ocupações escolares que varreu o Estado em 2016.
Assim que o helicóptero do ex-presidente tocou o heliponto
do prédio da PF, vieram as bombas: ao menos 10, disparadas do estacionamento do
edifício em direção ao ato de apoio a Lula. Segundo os bombeiros, oito pessoas
ficaram feridas sem gravidade por estilhaços. A reportagem não presenciou
nenhum ato dos manifestantes que justificasse a medida repressiva, e a Polícia
Federal não se manifestou até o momento sobre o episódio. Depois do tumulto, os
senadores petistas Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann, que seguiram do ato de
São Bernardo para Curitiba, se uniram ao que restou do protesto para anunciar
que a cidade da Lava Jato vai ser também “a capital da resistência".
Colaborou Afonso Benites
Texto e imagem reproduzidos do site: brasil.elpais.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário