quinta-feira, 9 de janeiro de 2020

Justiça do Rio censura especial do Porta dos Fundos

Cena de especial de Natal do Porta dos Fundos

Publicado originalmente no site [dw.com], em 8 de janeiro de 2020

Justiça do Rio censura especial do Porta dos Fundos

Desembargador ordena que Netflix tire do ar especial de Natal. Pedido foi apresentado por grupo católico conservador. Magistrado afirma que decisão é benéfica "para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã".
   
O fato de Jesus ter sido retratado como gay no especial despertou a ira de vários grupos religiosos e de militantes de extrema direita

Um desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mandou censurar nesta quarta-feira (08/01) o especial de Natal do grupo de comediantes do Porta dos Fundos.

Em decisão liminar, o desembargador Benedicto Abicair, da 6ª Câmara Cível determinou que o "Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo" seja retirado do ar pelo grupo e pelo serviço de streaming Netflix para "acalmar os ânimos".

A decisão atendeu a um pedido do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, um grupo católico conservador.

"Por todo o exposto, se me aparenta, portanto, mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do Agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida", escreveu o desembargador Abicair na decisão.

O desembargador ainda escreveu que o "direito à liberdade de expressão, imprensa e artística não é absoluto". Cabe recurso à decisão de Abicair.

O especial está disponível na Netflix desde 3 de dezembro. No filme de 46 minutos, os humoristas do Porta dos Fundos satirizam Jesus e Maria. O fundador do cristianismo é retratado como um homossexual. Maria, como adúltera e usuária de drogas.

O fato de Jesus ter sido retratado como gay despertou a ira de vários grupos religiosos e militantes de extrema direita. O pedido do Centro Dom Bosco para que o especial fosse retirado já havia sido negado por um juiz em dezembro, mas chegou a receber o endosso de uma promotora do Rio.

Na ocasião, a promotora Barbara Salomão Spier argumentou que "fazer troça aos fundamentos da fé cristã, tão cara a grande parte da população brasileira, às vésperas de uma das principais datas do cristianismo (Natal), não se sustenta ao argumento da liberdade de expressão".

Um abaixo-assinado online contra o especial reuniu mais de 1,5 milhão de assinaturas.

O especial também provocou queixas na Polônia. Na terça-feira, o vice-premiê polonês, Jaroslaw Gowin, pediu que a Netflix tirasse o especial de seu catálogo o Especial de Natal do Porta dos Fundos. "Exigimos que a Netflix remova o filme blasfemo de sua plataforma", escreveu o político nacionalista no Twitter.

Esse é o segundo caso de censura imposta pela Justiça do Rio em menos de seis meses. Em setembro, o próprio presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Claudio de Mello Tavares, chancelou um plano do prefeito Marcello Crivella para apreender na Bienal do Livro exemplares de uma HQ que mostrava um beijo gay.

A decisão de Tavares foi posteriormente derrubada pelo Supremo. Na ocasião, o presidente do STF, Dias Toffoli, disse que a decisão do TJ-RJ violou "a ordem jurídica e a ordem pública" e que "o regime democrático pressupõe um ambiente de livre trânsito de ideias".

Atentado

A ofensiva contra o especial do Porta dos Fundos não se limitou a ações na Justiça ou a reclamações públicas. Na véspera de Natal, um grupo de extremistas atirou dois coquetéis molotov contra a sede da produtora do grupo de humor, no Rio de Janeiro.

O Porta dos Fundos informou que o fogo foi contido graças à ação rápida de um segurança do edifício, que conseguiu controlar o incêndio. Ninguém ficou ferido. Na ocasião, militantes de extrema direita brasileiros tentaram normalizar o atentado. Outros, espalharam uma versão falsa de que os próprios comediantes encenaram a ação.

Depois do ataque, um grupo que diz seguir o integralismo – um antigo movimento extremista brasileiro dos anos 1930 inspirado no fascismo italiano – reivindicou a autoria do atentado. Um dos membros do grupo – o único que não usou máscara – foi posteriormente identificado. Eduardo Fauzi Richard Cerquise, de 41 anos, fugiu para a Rússia um dia antes da deflagração de uma operação para prendê-lo.

Segundo a polícia, Fauzi possui dezenas de anotações criminais. Ele responde por crimes de ameaça, lesão corporal, e delitos enquadrados pela lei Maria da Penha.

Em 2013, Fauzi já havia aparecido no noticiário após agredir o então secretário de Ordem Pública do Rio, Alex Costa. Ele foi preso por dar um soco no secretário após uma operação de fechamento de estacionamento irregular no centro do Rio.

No decorrer das buscas por Fauzi, agentes apreenderam 119 mil reais, munições, uma arma falsa, computadores e uma camisa em endereços do extremista. A Polícia Federal colocou Fauzi na lista de difusão vermelha da Interpol. Em uma entrevista concedida a partir da Rússia, Fauzi assumiu sua participação no ataque. "Quando um cristão não tem possibilidade de ser ouvido (...) não resta outra forma do que responder com as próprias mãos", disse.

Texto e imagem reproduzidos do site: dw.com

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