sábado, 26 de maio de 2018

Fúria sobre rodas

Foto: Marcos Bezerra/Futura Press

Publicado originalmente no site da revista ISTOÉ, em 25 de maio de 2018

Fúria sobre rodas
Por Carlos José Marques (Diretor editorial da Editora Três)

Um misto de chantagem, oportunismo e falta de responsabilidade jogou o País no imponderável caos. Na boleia dos caminhões que travaram as estradas Brasil afora um retrato dramático de quão frágil ainda segue a nossa economia. Com o Governo acuado, nas cordas, refém de um Congresso venal e a bordo de claras ambições eleitoreiras, havia muito pouco a fazer. E o mergulho profundo numa espiral de anarquia e confrontos de rua pareceu inevitável. O retrato desse descalabro foi mostrado ao vivo, todos os dias. Produtores de laticínios e frigoríficos jogavam fora, por incapacidade de escoar, milhões de litros e toneladas de mercadoria. Os bloqueios infernizavam a rotina nacional. Nem vans levando oxigênio de uso hospitalar passavam. Postos abarrotados de carros à espera de abastecimento. Aeroportos no limite do colapso aéreo. Ameaças de escassez de suprimentos básicos em supermercados, armazéns e farmácias. Sobre preços e ágios de toda natureza. A bagunça virou tônica. O Brasil experimentou dias de Venezuela. Não poderia ser diferente em um país onde 70% dos fornecimentos dependem do transporte rodoviário. É de certa forma inaceitável assistir a uma nação inteira refém de uma categoria. 

É também inconcebível que um cartel de distribuidoras – os reais articuladores por trás da paralisação – queira impor sua vontade, arrancando vantagens setoriais às custas do sacrifício da população. De outro lado, a política de reajustes dos combustíveis seguindo a variação do dólar, como ocorre em boa parte dos mercados mundo afora, carrega aqui um componente de injustiça. Cerca de 80% do consumo interno é atendido via produção local e a paridade com a moeda americana não deveria, por isso mesmo, servir de referência essencial. Nessa toada, o valor do diesel, para ficar no caso mais emblemático, cresceu cerca de 50% no ano, diante de uma inflação irrisória, praticamente inviabilizando a atividade de frete. O alerta sobre o perigo da situação foi feito diversas vezes e de maneira antecipada, sem que respostas eficazes e soluções saíssem. Apenas diante da desordem instalada autoridades trataram de dar agilidade às discussões. Faltou diálogo, faltaram planejamento e negociação. Restou o confronto. 

No ringue do combate o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, fez as vezes de imperador que decreta de quem é a razão. Tratou de agir como dono do espetáculo. Mostrou cara feia e falou grosso. Parecia se deleitar com os devaneios do poder. Tal qual um César, de início somente admitiu discutir e avaliar os impostos em uma semana. Ou os grevistas aceitavam o prazo ou nada feito. Jogou literalmente querosene no fogaréu. Os articuladores reforçaram as trincheiras. Em 23 estados e no Distrito Federal quilômetros de fila eram formados por um comboio desgovernado, em perigoso protesto. Tiros, pneus furados ou queimados, paravam os motoristas à força. Diante do estrangulamento da malha rodoviária e da iminência do desastre, Maia se viu na obrigação de recuar na sentença. Perdeu a parada. Tratou o assunto à toque de caixa. Na verdade, o Parlamento não fez o mínimo necessário do seu papel para barrar a chantagem em curso. Lideranças dos caminhoneiros exigiram o imediato expurgo do PIS/COFINS até o final do ano, além da suspensão da CIDE. O achaque ganhou força.

O Senado capitulou. Teve de agendar às pressas uma reunião na última sexta-feira para votar o tema. A Petrobras, de sua parte, anunciou uma redução de 10% no preço do diesel, com duração de 15 dias. Era insuficiente para suspender o movimento. Pior: nas bolsas, as ações da empresa voltaram a ser bombardeadas. O trabalho delicado e competente de reerguer a companhia depois do desfalque gigantesco praticado pela quadrilha petista enfrentava seu maior teste. A fórmula de correções diárias das tarifas de combustíveis tem que ser inapelavelmente revista. Há severas distorções nessa política. O problema da volta atrás é o perigo de recaída no modelo populista, praticado na gestão Dilma, que quase quebrou a estatal. A bagunça generalizada que se viu por esses dias demonstra, tristemente, que o Brasil vai chegando arrebentado às próximas eleições. Existe um quase conluio de forças contrárias a sabotar o empenho de alguns poucos para a retomada do crescimento e normalidade de mercado. 

Não deveria ser assim. O prejuízo dessa tática recai sobre todos – inclusive os sabotadores. A armadilha e torcida que opositores fazem contra as gestões de rearrumação propostas pelo governo, por exemplo, pode ter um troco caro, cobrado nas urnas por quem não aguenta mais tanta malandragem.

Texto e imagem reproduzidos do site: istoe.com.br

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