Marinalva Luiz, ex-faxineira no Supremo Tribunal Federal,
aprovada em quatro concursos públicos
Fotos: Alexandre Bastos/G1.
Publicado originalmente no site G1
DF, em 09/04/2016.
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Eu sempre gostei de ler. Lia desde
gibi a Karl Max. Na minha casa tinha mais livros e revista do que em qualquer
casa do meu bairro. As pessoas não entendiam porque eu e minha irmã líamos
tanto. Hoje vejo que isso foi fundamental e um diferencial na minha vida".
(Marinalva Luiz, ex-faxineira do STJ que passou no órgão).
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'Pensaram que eu era analfabeta',
diz faxineira do STF que passou no órgão.
Colegas insinuaram que ela havia
comprado gabarito da prova, de 2008.
Mulher também foi aprovada no STJ,
Ministério do Trabalho e MPU.
Raquel Morais
Do G1 DF.
Após cinco anos trabalhando como
faxineira no Supremo Tribunal Federal, Marinalva Luiz achou que era uma
brincadeira ver o próprio nome na lista de aprovados no concurso do órgão. A
mulher passou semanas mergulhada nos livros e anotações para a prova de técnico
judiciário. O resultado também surpreendeu colegas, que chegaram a insinuar que
ela havia comprado o gabarito.
"Minha família e amigos já
sabiam que eu ia passar, pois eu estudava sem parar e só falava em concurso e
mais concurso", disse. "Muita gente, infelizmente, não gostou da
novidade. As pessoas ficaram em choque, não esperavam que uma moça que
trabalhou na limpeza do tribunal tivesse conhecimento suficiente para passar,
ainda mais que concorri com quem já tinha se formado em advocacia. O
preconceito está enraizado na sociedade brasileira ainda."
O concurso aconteceu em 2008. O
salário previsto era de R$ 3 mil – 500% a mais do que os R$ 500 que ela recebia
mensalmente. Marinalva foi a 29ª colocada e aguardou os quatro anos de validade
do certame pela convocação. Mesmo com a seleção expirando antes, a mulher não
desanimou e passou em outras três provas: Superior Tribunal de Justiça,
Ministério do Trabalho (onde está atualmente) e Ministério Público da União.
Para ela, o fato de sempre ter
apreciado literatura influenciou nas conquistas. "Eu sempre gostei de ler.
Lia desde gibi a Karl Max. Na minha casa tinha mais livros e revista do que em
qualquer casa do meu bairro. As pessoas não entendiam porque eu e minha irmã
líamos tanto. Hoje vejo que isso foi fundamental e um diferencial na minha
vida."
A mulher também baixou conteúdos
em sites e pedia ajuda de amigos da família que trabalhavam no Judiciário.
Nascida em Anápolis, cidade goiana a 160 quilômetros de Brasília, ela decidiu
atuar na área de limpeza porque o salário era melhor do que o que recebia
trabalhando em uma loja para noivas e como costureira.
"Duvidavam da minha
capacidade porque eu era auxiliar de serviços gerais e, como tal, deveria ter
muito pouco estudo. Não aceito que me julguem sem me conhecer", afirma. "O
que me deixou impressionada foi pensarem que, por ter trabalhado na limpeza,
era analfabeta ou coisa do gênero. Eu já tinha o ensino médio, trabalhava numa
butique mas ganhava menos que na limpeza e trabalhava muito. No STF era muito
melhor! Nunca me abati com isso, mas, realmente, inveja é uma coisa que te
assusta."
Marinalva diz que a família tinha
pouco recursos, mas que nunca precisou parar de estudar. "Nós eramos
pobres, mas tínhamos tudo o que precisávamos. Livros, roupas, brinquedos; meus
pais se esforçavam e nos davam. Mas, como todo mundo, você sempre quer mais, e
eu queria morar numa casa com piscina, muita árvores, pois lembra muito a minha
infância."
Segundo ela, a melhor vantagem do
emprego no serviço público foi poder incluir a mãe como dependente no plano de
saúde. "Ela foi muito bem tratada nos melhores hospitais do Plano Piloto e
Taguatinga, especialmente no Santa Marta e São Francisco, onde infelizmente,
ela veio a falecer, há dois anos."
Marinalva conta que chegou a
começar a estudar direito, mas decidiu trancar o curso por ver que não era
exatamente o que queria. Ela voltou a costurar e diz sonhar em fazer moda nos
próximos anos.
"Voltei a costurar por
raiva", ri. "Toda vez que pedia uma costureira para fazer umas
roupas, ela demorava demais ou [as peças] não ficavam do jeito que eu queria.
Como já tinha trancado a faculdade, já estava procurando uns cursos para fazer,
dar uma boa revisada em ajustes e conhecer novos métodos de ensino. Daí vi que
realmente costurar é uma coisa que adoro fazer, independentemente de ser uma
profissão. Todo dia faço algo. Para meus amigos e parentes, faço consertos e
reformas."
Dicas.
A mulher diz que, para a prova do
STF, se preparou com o conteúdo de analista judiciário – com curso superior – e
não para o de técnico. Assim, afirma, acumulava mais conhecimento. Ela também conta
que estava decidida a passar em concurso e que acha que a determinação
contribuiu para o sucesso.
"Vários colegas faziam
deboche quando fui aprovada, vieram correndo me falar que não iria ser chamada.
É uma coisa que você vê se você quiser. Eu nunca deixei que me jogassem para
baixo, mas não imaginei que fosse calar a boca de tanta gente depois que fui
aprovada", conta.
"A primeira dica é: decida
onde você quer trabalhar. Eu só fiz concurso para o judiciário porque as
matérias são as mesmas e somente o regimento interno que muda. Fiz do
Ministério do Trabalho porque queria incentivar uma amiga a estudar e acabei
fazendo a inscrição no último dia. Caí aqui de paraquedas", ri.
"Segundo: estude por livros e sites, nunca compre apostilas. Além de
resumidas demais, são caríssimas. Um exemplo: quando estudava ainda para o STF,
já tinha tudo quanto era exercício feito. Uma amiga comprou uma apostila na
banca de revista e fui dar uma olhada apenas nos exercicios sobre a legislação
do tribunal."
Marinalva afirma que os exercícios
eram iguais aos que já tinha em casa. A terceira dica dela é manter o foco.
"Vi gente estudando ao mesmo tempo para bancos, tribunais, agências
reguladoras, Metrô etc. Nossa! Você acha que nosso cérebro armazena todo esse
tipo de informação em curto prazo? São órgãos diferentes, as matérias às vezes
também são."
A mulher conta se sentir feliz ao
ver que outras pessoas ficam motivadas ao estudar quando conhecem a história
dela. Para ela, a principal lição com a própria experiência foi ver que todo
mundo é capaz.
"Eu passei num concurso que
era disputadíssimo entre os funcionários da minha empresa, estagiários. Eu
passei e eles não. O diferencial foi que não estudei para passar, estudei para
aprender e entender como funciona o nosso Estado Brasileiro. Fui devagarinho. O
que não entendia, voltava e fazia tudo de novo. E uma frase que resume bem o eu
fiz foi:'Sem saber que era impossível, ele foi lá e fez'."
Texto e imagens reproduzidas do
site: g1.globo.com/distrito-federal
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