Publicado originalmente no site de O Globo, em 19/03/2016.
A outra corrupção.
Por Cristovam Buarque*
Governo aumentou o número de consumidores, não de cidadãos.
Os julgamentos por suspeitas de corrupção têm impedido a
avaliação do governo Lula/Dilma na transformação da estrutura socioeconômica do
Brasil. Nenhum governo chegou ao poder com tantas promessas de mudar a
realidade brasileira e nenhum esteve tanto tempo à frente da nação, à exceção
de Vargas.
Mas, ao olhar ao redor, a avaliação não é positiva.
O Bolsa Família, iniciado no governo anterior com o nome de
Bolsa Escola, distribuindo anualmente 0,5% do PIB, deve ser aplaudido por seu
caráter de rara generosidade das elites governantes, mas não tem sido um
programa transformador. A transformação seria emancipar o povo da necessidade
de bolsa, e o governo Lula/Dilma não avançou neste propósito.
Em um país com a memória da escravidão, o governo Lula/Dilma
fez o gesto louvável de criar instrumentos para incluir pobres e descendentes
de escravos no ensino superior, com cotas, Prouni, Fies, além de abrir mais 14
universidades federais. Criar mecanismos para que os filhos de alguns pedreiros
ingressem na universidade é um gesto positivo, mas não tem, em si, caráter
transformador da estrutura social. A transformação viria de reformas no sistema
educacional, para fazer com que todos os filhos de todos os pedreiros tivessem
condições de disputar vaga no vestibular com a mesma chance que os filhos de
seus patrões.
O governo Lula/Dilma não fez avançar a consciência cívica e
política: acomodou as massas e cooptou os movimentos sociais, como CUT e UNE;
abriu as portas das lojas para grupos que antes estavam marginalizados, mas não
os abrigou como cidadãos plenos; aumentou o número de consumidores, não de
cidadãos. Ao abandonarem propostas transformadoras, os partidos progressistas e
os movimentos sociais agem como ex-abolicionistas que, ao chegar ao poder,
contentam-se em emancipar alguns escravos e reduzir o sofrimento dos outros,
sem fazer a Abolição.
No futuro, além da nódoa ética sobre o PT e demais partidos
da base de apoio e suas avaliações dos 13% de século do governo Lula/Dilma
mostrarão a perda de uma grande oportunidade histórica, um partido com
propostas transformadoras chegar ao poder, com um líder carismático de origem
popular, vencer quatro eleições seguidas, e abandonar o pudor e o vigor
transformador.
O governo Lula/Dilma encontrou um país dividido, social e
politicamente, agravou a divisão política e, no lugar de derrubar o muro que
nos divide socialmente, apenas jogou algumas migalhas para os excluídos, e não
cumpriu as promessas de realizar as reformas estruturais.
O perigo é que as forças do pós-Lula/Dilma não façam o que
eles não fizeram; porque juízes prendem políticos e limpam a política por um
período, mas não derrubam a “cortina de ouro” que divide o Brasil; julgam a
corrupção no comportamento dos políticos, mas não a corrupção nas prioridades
das políticas.
*Cristovam Buarque é senador (PPS-DF).
Texto reproduzido do site: oglobo.globo.com/opiniao
Foto reproduzida do Google.
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